Personagens de Guimarães Rosa ganham formas nas mãos de jovens artesãos de Curvelo e Araçuaí
JOÃO CARLOS OLIVEIRA/DEDO DE GENTE
Jovens reproduzem, em tamanho real, um cavalo; utilizando sucata de ferro
Guimarães Rosa é fonte de inspiração para cerca de 80 jovens artesãos de Curvelo, Região Central, e Araçuaí, Vale do Jequitinhonha/Mucuri, que criam personagens, animais e paisagens, descritos nos contos e romances do escritor, que retratava na literatura o cotidiano do sertanejo. Usando sucata de ferro, madeira de demolição e reflorestamento e retalhos de tecidos, os jovens, todos de famílias de baixa renda, fazem parte da Cooperativa Dedo de Gente, que criou, há 14 anos, o Projeto Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CDC), para promover a inclusão de adolescentes acima de 16 anos de idade no mercado de trabalho e socialmente. Lá, eles aprendem a profissão de artesão.
Diego Borges, 21 anos, de Curvelo, é um desses artesãos que criam obras de arte, cuja inspiração começa com a contação de histórias, feita nas rodas formada por jovens. O grupo lê trechos dos livros "Grande Sertão Veredas", "Manuelzão e Miguilim", "As Margens da Alegria", "Famigerado" e "A Terceira Margem do Rio". "Sentamos no meio de sucatas e ficamos imaginando como seriam as peças e quais delas podem sair do ferro. Reunimos 12 pessoas para dar sugestões, opiniões e críticas para a realização do trabalho. E logo depois surge uma peça, criada a partir da imaginação de cada um de nós. Retratamos o cotidiano das nossas famílias", conta ele.
A bordadeira Carla Mariane Rodrigues Monteiro, 20 anos, é outro exemplo. Criatividade e inspiração não faltam para a criação de peças bordadas manualmente: jogos americanos, cortinas, almofadas, pegador de panela, luva de forno. "Estamos fazendo um resgate da cultura regional e familiar, herança dos nossos avós", resume ela. Carla diz que o projeto encanta desde o primeiro dia: "O elo que é criado conosco proporciona grande mudança nas nossas vidas. Espero crescer muito nessa área. A mudança que acontece é total, pois entramos com uma visão, aprendemos a dialogar, a melhorar até a relação com a nossa família", destacou.
O artesanato é vendido em todo o país. Eles atendem ao segmento de lojistas, atacado, varejo e brindes corporativos, encomendados por empresas. As regiões Sudeste e Sul têm o maior número de clientes, destacando-se os Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Goiás, Bahia, Moto Grosso do Sul e Paraná. Em Minas, a maior consumidora é a cidade de Belo Horizonte.
A cooperativa Dedo de Gente pretende expandir suas vendas e prepara-se para comercializar o artesanato no mercado internacional ainda neste ano, informa o gerente comercial da cooperativa João Carlos Oliveira. "Temos o trabalho reconhecido no Brasil, agora nos preparamos para expandir. Estamos analisando os canais de vendas para o mercado exterior".
A ideia de transformar chapas de ferro em obras com o passar do tempo aprimorou-se. Hoje, os jovens usam criatividade e ousadia para retratar a vida e as atividades do dia a dia de quem mora na zona rural das regiões onde eles vivem. Na pequena fábrica, os jovens artesãos dão forma à sucata. São peças que entram para a história, como parte do resgate da cultura das cidades onde Guimarães Rosa buscou inspiração para escrever seus livros. Aos poucos, os personagens saem das páginas dos livros e formas. Mensalmente, a Cooperativa confeccionar cerca de 15 mil peças, feitas com sucata de ferro e bordados de objetos de decoração.
Aproveitando o ferro, eles fazem castiçais, arandelas, quadros, luminárias, fruteiras, carro de boi, cavalos, mandala, mulheres do Vale carregando lenha e baldes, carroceiro, árvore com anjo, menino passarinho, leitor, retirante, além de escravos e várias outras peças. Mas a criatividade dos artesãos vai além das fronteiras do Brasil: eles produzem também bonecos africanos e D. Quixote. Com madeira de demolição e reflorestamento, confeccionam mesas, aparadores e armários; os retalhos de tecidos são usados para bordados.
Grande parte desses materiais vem de doações de empresas; o restante é comprado usando o valor arrecadado com a venda das peças nas lojas das cooperativas e por meio do site www.dedodegente.com.br. Os preços variam de R$ 8 a R$ 16 mil, preço do touro Nelore, feito com sucata de ferro, cópia do animal, em tamanho real.
O gerente João Carlos Oliveira ressalta que um dos objetivos da instituição é trabalhar o desenvolvimento social dos jovens, de família de baixa renda. "Trabalhamos comprometimento com o meio ambiente, valores humanos e resgate cultural. Mas nossa missão é trabalhar a inclusão social. Aqui, eles ganham novas possibilidades de entrar no mercado de trabalho. Melhoram a autoestima, a interação com a família. Na verdade, tornam-se empreendedores".
O conceito de sustentabilidade que norteia a atividade da Dedo de Gente tem reconhecimento nacional. Em 2009, conquistou o Prêmio Sebrae Top100 de Artesanato, concedido as 100 melhores unidades produtivas do setor artesanal do Brasil. A instituição oferece outras atividades além do ofício de artesão. Em Araçuaí, há o Projeto Cinema Meninos de Araçuaí, selecionado para participar da 17ª Oficina Geração Futura do Rio de Janeiro neste ano. Eles criaram também peças para o filme "Um Sonho de Meninos", criado, dirigido e estrelado por eles mesmos. O filme é apresentado na zona rural do município, por meio do cinema itinerante, que usa uma parede como tela e a rua como sala de projeção, com auxílio de um gerador de energia que dão oportunidade de quem nunca foi ao cinema assistir a um filme.